Paulo Rezzutti é arquiteto, youtuber, escritor, historiador e biógrafo Brasileiro.
A nossa conversa aconteceu perto do lançamento de sua nova obra “Mulheres do Brasil: a história não contada”, que resgata a história de mais de 200 mulheres das mais variadas épocas que tiveram suas biografias alteradas, deturpadas ou que simplesmente sequer apareceram nos registros convencionais – uma delas: Maria Joaquina de Almeida, a Senhora do Café de Bananal-SP.
O livro chega num momento em que a discussão sobre o papel das mulheres na sociedade se intensifica, surpreendendo o leitor ao reapresentar acontecimentos da história do Brasil com as personagens femininas finalmente reinseridas nos papeis de destaque que lhes foram negados pela narrativa oficial.
Confira a nossa conversa:
1- De arquiteto para historiador. Como surgiu o interesse pela história brasileira? Como a arquitetura contribuiu para sua pesquisa em história?
Pelo estudo do patrimônio histórico e por meio das aulas de urbanismo voltadas para entender a cidade de São Paulo. Quando tive então contato com a evolução urbana da cidade e a sua história, daí para o restante do Brasil foi um pulo, mas inicialmente, sempre pautado nas questões envolvendo o patrimônio. O espaço urbano e a sua evolução aparecem nos meus livros, tanto na biografia da Marquesa de Santos, quanto na de D. Pedro I, o espaço onde eles habitaram e suas modificações se fazem presentes.
2- Porque a convergência entre áreas de conhecimento é tão importante para a pesquisa histórica ou em qualquer outro campo?
Porque apesar da compartimentação didática, tudo que é humano se relaciona e encontrar pontos de convergência enriquece o estudo e consequentemente a narrativa histórica.
3- Os livros de história da atualidade estão cada vez mais carregados de uma linguagem acessível, o que é super importante porque traz novos leitores para a área. Porém, como fazer isso sem perder o “rigor metodológico/acadêmico”? Como transpor sem perder a qualidade do material?
O aluno e o leitor comum que se interessam por história não são obrigados a se deparar com um linguajar técnico e de iniciados. A leitura de uma tese, por um “não iniciado” árida e desestimulante. O aluno do ensino médio ou o leitor de final de semana não vai entender metade do que está sendo dito. Isso não quer dizer que não se deve manter rigor metodológico no que os ingleses chamam de Public History, ou, história pública, um ramo da escrita que se dedica a destrinchar a história de maneira mais didática para leitores interessados ampliando o campo de leitores potenciais.
4- Assim como a Maria Augusta tornou-se uma lenda aqui em nossa região, a marquesa de Santos também ganhou uma ligação “mística” com o povo ao passar dos anos (“a santa das putas”, as visitas ao seu túmulo em SP por mulheres). Na sua visão, porque que isso acontece? Porque personagens da nossa história tornam-se figuras lendárias, míticas, contemplativas? Isso está ligado a cultura brasileira ou acontece também em outros países?
Acontece em outros paises, na França, por exemplo, existe o habito de se visitar determinados túmulos no cemitério Père Lachaise e realizar ações como passar a mão em determinados locais, para se conseguir determinadas coisas. Quando o personagem histórico passa a atuar no imaginário coletivo da população ela o mitifica e o transforma em objeto de suas necessidades ou frustrações. Do mesmo modo que tem gente que vai cumprir ritual no túmulo da Marquesa para conseguir marido ou que o amante se separe da esposa, tem gente que xinga a Domitila até hoje pelo “mal” que ela fez à Imperatriz Leopoldina.
5- As suas obras apresentam novas visões de personagens até então estereotipados da nossa história. Os subtítulos “a história não contada” reforçam essa ideia. Porque é tão importante trazer essa nova visão?
Para mostrar que essa questão do endeusamento, do heroi perfeito, não existe. A humanidade de ninguém deve ser tirada ou negada, todos os personagens que se destacaram na nossa história são seres de carne e osso com seus defeitos e idiosincrasias e é importante humanizar esses peronsagens sem caricaturalizá-los, pois dessa forma podemos chegar ao ponto de que todos erram, todos acertam e que ninguém é perfeito, como o leitor.
6 – Ainda sobre a questão anterior, qual o maior desafio em trazer a luz esses novos fatos? Quais são as dificuldades e as barreiras enfrentadas pelo pesquisador brasileiro?
Pesquisa histórica no Brasil é complicada. Nem tudo é digitalizado ou tem índices analíticos disponíveis e na maiorida das vezes as visitas aos arquivos de maneira presencial é necessária, isso tem custos. Acho que os custos são as principais barreiras, além de entender como esses arquivos funcionam. Fatos novos, ou pouco conhecidos só podem vir a toma com ajuda de documentação primária, o restante é requentar livros e pesquisas já existentes.
7 – Com relação ao ensino de história, qual o caminho para o Brasil fazer da “história não contada” a “história contada”.? Como derrubar essa visão superficial e estereotipada das nossas figuras históricas e da nossa própria história?
Acredito que nenhum governo até hoje tenha tido um interesse real em implementar uma história crítica geral no país e não apenas a que visasse denegrir governos anteriores. Existe um interesse “extra academia” em história, entretanto tem muita obra sendo lançada e que joga com sensacionalismo, que acaba sendo comprando como verdade. Essa falta de discernimento é, em boa parte, culpa da educação recebida. Por isso não vejo como trazer novas visões sérias da nossa história sem que a população tenha desenvolvida uma visão crítica, enquanto isso não acontecer, terá gente querendo reviver mitos como o da “terra plana”, por exemplo, ou que os índios foram os principais responsáveis pelo desmatamento antes da chegada do homem branco.
8 – Durante muito tempo, o estudo da nossa história ficou focado nas figuras masculinas centrais que fizeram a nossa história. É claro que existe toda questão cultural e social envolvendo esse tema, mas a figura da mulher tem sido apresentada por alguns historiadores numa versão diferente da que conhecemos nos livros escolares. Como exemplo, a própria Maria Joaquina, do livro “A senhora do café”. Qual a importância de estudar e apresentar essas figuras femininas da história (até então desconhecidas)?
É importantíssimo pois elas fizeram história mas foram eclipsadas ou apagadas completamente por conta da mentalidade de nossa sociedade patriarca. A escrita da história durante anos foi restrita aos homens, e eivada de todos os seus preconceitos. A história da mulher no Brasil é uma história do preconceito, de como elas, quando aparecem, são mostradas diminuídas, geralmente como mães e esposas, como o caso de D. Leopoldina, que luta pela independência mas é lembrada nos livros escolares ou como mãe de D. Pedro II ou como esposa de D. Pedro I.
9 – Sobre o nosso Vale. Como biografo de D. Pedro, qual o causo/fato mais inusitado que aconteceu em nossa região durante suas passagens?
Ah, vários, acho a melhor e que mais demonstra como D. Pedro era simples e detestava rapapés que ele chegou à fazenda Pau D´Alho, sem se identificar, pedindo um prato de comida. Que lhe foi servido na cozinha. Ele comeu ao pé do fogão de lenha, agradeceu e partiu. Qual não foi a surpresa da dona da fazenda quando a comitiva do príncipe, que ela esperava para recepcionar, chegou sem ele. Informaram a ela que D. Pedro havia se adiantado a eles e que já devia ter passado pela fazenda.
10- Dentro das suas pesquisas, como você enxerga a importância do Vale do Paraíba para a história brasileira?
Primordial em vários sentidos, desde a ocupação do planalto, passando pela história da Estrada Real, a viagem da Independência, o café, etc, o Vale foi cenário de parte da história nacional.
11- Conte para nós quais os projetos em que está trabalhando e os projetos futuros!
O lançamento: “Mulheres do Brasil, a história não contada” e no próximo ano: a biografia de D. Pedro II
Paulo Rezzutti
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