Já se passaram alguns bons anos desde que comecei a pesquisa que me fez mestre. Uma pesquisa que só pôde ser realizada porque contou com o apoio de inúmeras pessoas, às quais eu nunca ficarei cansado de agradecer. Uma das coisas que tenho mais claras em minha vida é que não fazemos nada sozinhos e que, apesar de as nossas metas e planos dependerem muito de nós mesmos, ainda precisamos da colaboração de outras pessoas para que as coisas aconteçam.

Esse dias, percebendo que as últimas cópias estão se esgotando, comecei a pensar no volume de pessoas que tiveram acesso à Senhora do Café, e não teve como evitar o pensamento sobre o que mais poderia acrescentar a esse trabalho ou a outro: como vejo Maria Joaquina quase 10 anos depois de ter iniciado a pesquisa. E outro fato que me marca: naquele tempo passei muitos dias confinado, não por causa do Covid-19, mas sim por uma tuberculose chata que levou todas as minhas forças, mas não a vontade de pesquisar. Confesso que foi difícil, mas a vontade de produzir era maior que o cansaço provocado pelo grave problema nos pulmões. A falta de ar não foi problema, pois tive muito apoio para que a pesquisa tomasse forma.

Mas vamos à Maria Joaquina de Almeida. Algumas das coisas que elaborei durante o desenvolvimento da dissertação só fizeram mais sentido nos anos seguintes à sua conclusão. Hoje, quando olho para aquela mulher forte que viveu em uma sociedade machista, patriarcalista e conservadora, que usa, inclusive, das leis para manter a mulher interiorizada à condição de submissão ao homem, vejo-a ainda mais forte do que a tinha percebido na aurora da pesquisa. É difícil enxergar claramente o que ela passou, mas com base nos vestígios, vemos como ela superou tudo: foi empreendedora, investiu na diversificação dos negócios e dobrou a fortuna deixada pelo marido, deu indícios de percepção do final do tráfico e da queda do negócio do café, e investiu dinheiro em dinheiro, buscou produzir outros tipos de mercadorias e fez com que sua grande empresa, a Fazenda Boa Vista, prosperasse, fazendo desta mulher uma das principais referências no mundo dos negócios e das relações políticas. Muitas vezes, precisou interpretar o papel da viúva recatada, mas agiu com vivacidade e decidiu quem era o homem que estaria no poder.

Traços disso encontramos nos relatos deixados pela oralidade, por documentos, como um convite que menciono no livro, no qual está escrito: “Eu, Laurindo José de Almeida, EM NOME DE MINHA MÃE, convido”, deixando claro de quem era o comando. Poderia ser apenas um detalhe não fossem outros documentos com uma carta escrita ao bispo, no qual ela pede, mas na condição de quem manda, para ele arcar com os honorários dos capelães que trabalhavam nas fazendas dela.

A mulher que pagava aos escravizados e fazia parecer ser um ato de caridade, quando isso, na realidade, garantia a ela a fidelidade em um momento no qual muitas rebeliões estavam acontecendo, e seus escravos ficaram conhecidos pelo barulho das moedas que carregavam.

Organizou e participou de muitas loterias paroquiais que garantiram a liberdade de muitos escravizados. Claro que, ao fazer uma breve análise dos livros, notamos que a maioria possuía idade avançada e talvez já não desempenhasse bom trabalho. Esses são novos dados que não constam na pesquisa original, pois só encontrei esses documentos anos mais tarde.

Tudo isso dava àquela senhora uma posição honrada na sociedade bananalense e a fazia conhecida em vários lugares de São Paulo e da Corte.

Existem muitos aspectos desta mulher forte que gostaria de revisitar para dar nova luz à minha pesquisa.

Como pesquisador, sabia que nunca um trabalho está completo, que é sempre uma nova página no mundo das ideias, uma resposta que abre outras perguntas, em um movimento sem fim que é a própria alma do trabalho acadêmico.

Este texto é uma forma de refletir sob o prisma de novas perguntas e trazer alguma novidade sobre essa figura que admiro e respeito. Gosto de usar nesses momentos uma mesma velha afirmação de um escritor inglês, Hartley: “o passado é uma terra estrangeira, lá as pessoas fazem as coisas de outro jeito”

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