Eterno é tudo aquilo que vive uma fração de segundo mas com tamanha intensidade que se petrifica e nenhuma força o resgata.
Carlos Drummond de Andrade
Para o bem ou para o mal, a epígrafe desta reflexão já revela a força de uma eternidade que não se mede pelo tempo, mas sim pela intensidade. Mas quando a eternidade de um momento é boa ou ruim para nossa sanidade? E mais importante, é possível conviver com todas as nossas “eternidades”? Não temos respostas definitivas para essas questões, mas me atrevo aqui a provocar uma reflexão sobre o tema da eternidade — poética e insana eternidade.
Se perguntarmos a uma criança o que é o eterno, talvez ela nos responda que é aquilo que vive para sempre. Por muitos anos, eu também pensei que fosse assim, até que, assistindo ao filme baseado em mitologias, Fúria de Titãs, ouvi um dos personagens dizer que os deuses invejam os homens por não serem eternos. Naquele momento, minha percepção sobre a eternidade mudou, passando a incluir também um sentido negativo, especialmente em relação à ideia de viver para sempre. Afinal, viver para sempre talvez nos roube a beleza das coisas; nós, humanos, nunca sabemos qual será a última vez que receberemos um abraço, um beijo da pessoa amada ou que iremos morder uma maçã, sentindo seu sabor e sua textura.
O poeta Vinicius de Moraes nos traz outro olhar em seu Soneto de Fidelidade ao dizer: “Eu possa me dizer do amor (que tive) / Que não seja imortal, posto que é chama.” Ao falar da imortalidade, Vinicius não se refere ao tempo, mas à intensidade — a chama — do momento vivido, mostrando que o eterno não se relaciona com a duração, mas com a força da experiência.
Na série Lúcifer, exibida pela Netflix, somos apresentados a uma ideia semelhante de eternidade, mas em outro extremo: a punição no inferno é retratada como um looping eterno de um momento vivido que nos causa dor sem fim. O castigo é passar a eternidade revivendo continuamente o mesmo evento que, em vida, já nos provocava sofrimento ou arrependimento. Trata-se de uma espécie de condenação, onde a própria lembrança do fato doloroso se torna o castigo, perpetuando arrependimentos e frustrações que atormentam a pessoa ao longo de sua existência.
Nesse contexto, me pergunto: será que já não vivemos esse inferno em vida? Uma espécie de condenação por algo que desejamos, mas que talvez não deveríamos ter desejado? Como bem ressalta Mário Sérgio Cortella, ao refletir sobre como devemos lidar com nossas vontades para manter uma postura ética, ele afirma: “Nem tudo que eu quero eu posso; nem tudo que eu posso eu devo; e nem tudo que eu devo eu quero.”
Sem esse tipo de reflexão, podemos cair em uma armadilha “infernal”, onde uma eternidade nos mantém reféns, de tal forma que, mesmo acreditando que escapamos, logo voltamos ao mesmo looping, sem possibilidade de fuga ou redenção. Quantos eventos vividos não nos sugam para dentro de si, e, mesmo tendo à nossa frente a porta de escape, não conseguimos encontrar forças para atravessá-la? Talvez, no fundo, desejamos continuar naquele lugar até o dia em que possamos reviver aquele momento novamente, não apenas em nossa lembrança, mas na realidade que chamamos de eternidade.
O mais doloroso inferno, porém, pode vir de algo bom, tão bom que desejamos que não fosse diferente. No entanto, a dor do looping é a mesma, e é possível se tornar prisioneiro de um momento vivido com tamanha intensidade que ele impede o avanço em outras áreas da vida. Assim, o único lugar em que queremos estar é naquele momento, percebendo que, não importa o que façamos, nunca mais poderemos voltar até lá. Esse momento, tão intenso e vívido, também nos impede de acreditar em outras possibilidades de futuro. E é aí que a necessidade daquela eternidade se transforma em grilhões, que nos mantém acorrentados a uma esperança cega.
Libertar-se das prisões que criamos para nós mesmos não é uma tarefa fácil. Talvez seja preciso passar por uma espécie de purgatório, onde teremos tempo para refletir e analisar, quem sabe até filtrar essas “eternidades”, transformando-as em “saudades”.
Estar nesse “purgatório” da eternidade é, na verdade, o momento de despertar — aquele ponto de clareza e insights que alcançamos por meio do autoconhecimento ou da terapia, onde começamos a distinguir entre essas eternidades e as lembranças dos momentos intensos que habitam nossas memórias. Nesse processo, aprendemos a reconhecer o que realmente foi bom e o que, de fato, desperta saudade. Esse lugar também faz parte de nossa vivência, e, paradoxalmente, nos aproxima da ideia de eternidade. Mas, ao contrário de outras “eternidades”, lá somos livres, somos leves. Afinal, o importante não é que tenha passado, mas que foi vivido; já não importa se é “meu”, mas sim que foi experimentado. Nesse momento, começamos a nos libertar e nos aproximar do “céu”, onde a eternidade da saudade, essa sim, valerá a pena.
No Soneto de Amor Total, Vinicius de Moraes declara: “Amo-te, enfim, de um calmo amor prestante, e te amo além, presente na saudade. Amo-te, enfim, com grande liberdade, dentro da eternidade e a cada instante.” Aqui, o “poetinha” nos oferece uma nova perspectiva, onde a eternidade se torna algo positivo, algo que podemos chamar de “céu”. A saudade, nessa visão, funciona como um filtro que retém apenas o que foi bom, aquilo que nos completou de forma positiva. Assim, viver a saudade nos permite estar presentes na eternidade de maneira leve e tranquila, pois só sentimos saudade daquilo que foi bom; não há saudade no que nos fez mal.
Com isso em mente, essa foi uma breve reflexão sobre os prós e contras daqueles momentos dos quais nunca queremos sair. Alguns deles, sem dúvida, sempre farão parte de nós, mas precisamos filtrar e nos libertar daqueles que nos tornam prisioneiros. O que trago aqui são provocações que, certamente, estão alinhadas ao meu pensamento até a data da publicação deste texto. Afinal, crescemos e aprendemos todos os dias. Manter essas reflexões no site também me dá a oportunidade de repensar. Trata-se de uma proposta simples, não de um texto acadêmico ou científico, mas de algo para pensarmos e dialogarmos sobre.

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