Certa vez, o inglês Hartley escreveu: “O passado é um país estrangeiro: lá, as coisas são feitas de maneira diferente”. Essa é umas das frases que melhor expressa a condição do passado em nosso presente, e os cuidados e os tratos que devemos ter com a história.
Quando ainda aluno da graduação em História, aprendi com meus professores que não devemos cometer anacronismos, ou seja, não podemos olhar para o passado e julgá-lo a partir da moral que temos em nossa sociedade.
Várias são as situações em que isso ocorre, porém, como pesquisador regional e presidente de uma instituição de pesquisa em nosso Vale do Paraíba, preciso manifestar minha indignação no que tange os textos de autoria do grande pai da literatura infantil, o taubateano Monteiro Lobato.
Há algum tempo o autor tem sido alvo de duras críticas ao ser apontado como racista, já que sua obra apresenta os personagens negros em uma condição de subserviência aos brancos da casa, e uma tendência eugenista.
Não vou aqui negar que ele realmente buscava a Eugênia, porém é sabido que em sua época isso estava vinculado às ideias que permeavam as questões da saúde pública, sendo, portanto, algo cultural no dia a dia do brasileiro que viveu as primeiras décadas do século XX. No caso desse autor, devemos ainda nos lembrar de que ele viveu o primeiro ano pósabolição, fato que vai fazer com que as tendências culturais da época permeassem em sua obra.
Não podemos esquecer que, assim como diz a expressão “a arte imita a vida”, é na arte que podemos conhecer os valores de uma sociedade. Sabendo disso, devemos entender que o nosso papel não é julgar a história, mas aprender com ela, para que não cometamos erros repetidos e, assim, possamos nos desenvolver e, se for o caso, cometer novos erros. Mas nunca podemos julgar o passado com nossa moral atual, pois isso é anacrônico, e tal julgamento não é real.
Aproveitando uma obra como a de Monteiro em nosso tempo, primeiro não podemos virar as costas para o nosso passado. Devemos mostrar como era feito e quanto caminhamos ou não dentro de determinado espectro. Quando eu olho para a obra de Monteiro Lobato, assim como a de outros autores, como, por exemplo, Euclydes da Cunha, percebo que ainda temos muito o que caminhar como sociedade, como nação. Aprendo com eles o que já deveríamos ter feito e pontos que precisavam ser melhorados.
Porém não posso negar que temo o tempo em que irão olhar para a produção cultural do nosso tempo, e espero, e tenho fé, que até o século XXII tenhamos aprendido a olhar o passado pelo passado, sem julgamentos, e com uma crítica boa e honesta que finalmente nos fará crescer como sociedade.
Busquem, sim, recursos na história, no passado, mas para fazer do nosso tempo um lugar melhor para se viver.
Vamos aceitar as diferentes formas de pensar, mas também vamos pedir fundamentos para os discursos. No nosso tempo, temos o direito de escolher o que queremos ler, assistir, ouvir. Não precisamos de proibições nem censuras.
Não negue o que fomos, pois, sem admitir os erros do passado e trabalhar com eles, não iremos sair do ponto em que estamos, e o pior, todos os dias só entraremos em um buraco ainda maior de desrespeito, perseguição e intolerância.