Recentemente contei a história da minha trisavó Rita, mãe do meu bisavô Mario. Hoje eu volto aqui para a continuidade desta história, que se faz, é claro, com seu filho. Aproveitando as férias de 2017, mais uma vez vim à casa de minha vó Maria já com essa vontade de conhecer um pouco mais o passado dos seus, na intenção de preservar essa memória e entender minhas origens. Para variar, este inverno está muito gelado e como o café cai bem para ouvir essas histórias.
Vamos lá….
No seu tempo, Mario Benedito de Souza, ficou conhecido pela profissão de Madeireiro, um tipo de trabalho que hoje me causa certo receio por conta da relação que tenho construído com a sustentabilidade.
As terras que pertenciam ao meu bisavô ficavam em um lugar conhecido como sertão dos Moreiras na cidade de Silveiras. E lá foi onde a minha avó Maria viveu sua saudosa infância com sua avó Rita (Ex-escrava) com seu pai Mário e com sua mãe Josefa (conhecida toda vida como Nhá Zefa).
A casa, segundo memória da minha avó, tinha 5 janelas de frente, 3 quartos grandes, duas cozinhas (uma delas servia como lugar do forno e dispensa), duas salas (sendo uma delas menor). Além da casa onde residia, tinha outra menor de guardar cangalha, paiol (uma espécie de dispensa em que se guardava ração), casa do engenho (produzia melado e rapadura derivados da cana de açúcar) e potreiro para os animais pequenos.
Das coisas que mais chamavam atenção da minha avó sobre seu pai era o cuidado que ele tinha na administração dos seus negócios, sabia ler e escrever, tinha um baú grande em que guardava dinheiro, seus livros caixas e até suas armas. Esse baú só ele mexia, e, por isso, a chave só andava com ele.
Meu bisavô criava animais como bestas, cabras, galinhas e porcos. Os dois lotes de bestas que contavam com 24 animais eram utilizados para o transporte dos produtos para a cidade, as 10 cabras forneciam leite, as 8 éguas eram criadeiras, e os porcos e as galinhas eram criados para a venda.
Podemos dizer que ele aprendeu com seu pai e seus irmãos os ofícios de madeireiro e agricultor. Seu pai foi escravo na fazenda Casa Grande de Silveiras e também tinha a madeira como seu sustento. E, durante os tempos da revolução de 1932, foi trilheiro, abriu os caminhos para os revolucionários Paulistas, coisa que deve ter aprendido ainda na escravidão, quando por vezes ajudou na captura de escravos fujões.
Naquela época isso era quase que um serviço de utilidade pública, já que acabava abrindo terras para o desenvolvimento Nacional. E isso fazia dele um homem importante nesta lida. Produzia porteira, portão e tábuas que eram enviadas para a cidade.
Além disso, ele era agricultor, e das coisas que produzia, milho e feijão estavam na liderança. Minha vó conta que nesta época aconteciam muitos mutirões em que os outros produtores e funcionários se uniam para realizar a colheita. Até hoje temos esse tipo de ação em alguns lugares, entre os pequenos proprietários.
Seu grande parceiro e braço forte nas lidas do cotidiano era seu cunhado Pedro (conhecido como padrinho Pedro). Ela era o padrinho de todos! Assim todos chamavam esse tio.
Se fez negociador e tratava com aqueles que minha avó chama de homens ricos de Silveiras, Ciro Ferraz, Arão Moreira e o Pitota (esse último, ela não sabia o nome). Por Arão Moreira, padrinho do seu filho Vicente, ele tinha grande admiração e respeito. Minha vó dizia que é como se o meu bisavô Mário tivesse uma dívida de gratidão muito grande com esse homem, pois era uma pessoa que ele falava com grande admiração e respeito.
Das coisas que o bisavô Mario gostava, ela disse que caçar estava entre as favoritas. E uma história divertida que ela guarda das caçadas dele, foi a de um dia de outono, em que ele chegou com um animal bem diferente, que fez com que todas as crianças ficassem com medo. Era um veado que ele tinha caçado na mata, aí quando ele viu que as crianças estavam todas assustadas com o tamanho e o jeito do animal, ele caiu na risada, e disse – deixem de ser bobos o bicho tá morto! Minha vó disse que essa história fez parte da vida deles por muito tempo, inclusive o couro animal serviu para forrar os pandeiros. Neste ponto, ela se lembrou o quanto ele gostava de música e tocava vários instrumentos, mas os principais, a sanfona e a viola. Tinha orgulho de ser bom pagodeiro, amava festas, foi por várias vezes festeiro, chegou, inclusive, a ocupar o cargo de presidente da Irmandade do Sagrado Coração de Jesus, além de ser congregado Mariano e membro da Irmandade de São Vicente.
Religiosidade era algo muito forte com ele também, assim como sua mãe, era benzedor. Se dedicava mais aos seus parentes nesse dom. Tinha uma tábua em que guardava vários vidros para tratar das pessoas com homeopatia.
Sua casa era muito movimentada, a ponto da minha bisavó Nhá Zefa ter até medo de algumas pessoas que por lá passavam, atrás de conselhos e ajuda.
Meu bisavô Mario morreu muito jovem, com quase 40 anos, depois de 8 dias de um sofrimento causado por uma morte até hoje mal explicada e não entendida entre os seus. Vó Maria se emocionou ao contar que em um determinado dia minha bisavó Josefa, chegou na cozinha e disse à ela – Vai ver seu pai, ele morreu! Ela disse que sente esse aperto no peito até os dias de hoje. É comovente ver a alegria, respeito e saudade que ela tem desse pai.
Está sendo uma aventura conhecer esses pontos da história de minha família. Aqui tenho apresentado alguns deles, mas vou preparar uma surpresa para daqui a um tempo.
Tudo que minha avó me conta, está permitindo que eu consiga enxergar alguns detalhes que estão me levando a ver uma história social de nossa região que eu ainda não tinha percebido.
Logo, logo vou colocar essas informações para dialogar com fontes e teóricos, para trabalhar da melhor maneira possível com essas memórias.