O meu interesse pelo município de Bananal-SP nasceu quando eu ainda frequentava a 5ª série do Ensino Fundamental. Era 1998, e os professores do Colégio do Carmo de Guaratinguetá organizaram um passeio para que os alunos pudessem conhecer o esplendor de um outro Vale do Paraíba. Na minha turma, outros colegas falavam de canhões, de uma fazenda em que havia um deles. Para a surpresa de muitos, era verdade: o canhão era um artefato da Fazenda Resgate, que em outros tempos tinha pertencido ao Comendador Manuel de Aguiar Valim, importante membro da elite bananalense. Nunca soubemos ao certo se aquele canhão era dele ou do atual proprietário, mas fato é que, por nossa imaginação de crianças, achávamos que iríamos encontrar um canhão daqueles só vistos em filmes de piratas, mas, para nossa surpresa, era um canhão tímido. A partir daquele momento, comecei a me questionar sobre o que mais poderia ter sido aumentado ou até ser mentira.
Saindo de Guaratinguetá, os professores falavam que íamos ver as fazendas de café de uma cidade que tinha tido a sua própria moeda. Outra surpresa, portanto, foi o fato de que naquele lugar não havia nem mesmo um pé de café, ou seja, fui sem conhecer e voltei sem ver um pé de café. Como os guias nos diziam, ali tudo foi café! Uma surpresa, de fato: fazenda de café sem um pé de café. Agora só faltava ser lorota também a história da moeda. Mas essa era verdade! A prova era uma unidade que pudemos ver através de um vidro, era real, cunhada com a seguinte frase: PROPRIEDADE DE DOMINGOS MOITINHO. Quem diria, a cidade do café, sem café, tivera mesmo uma moeda. Uma não, várias.
E foi nesse lugar, inicialmente sem muitas expectativas e com muitas curiosidades frustradas, que eu tive a certeza de que o que eu queria era a História, não pelo fato de ter visto aquelas coisas que a princípio aguçaram minha curiosidade, mas por toda a NOSSA História que estava guardada naqueles casarões, que mais pareciam castelos no meio da mata. Eu nunca tinha estado em uma casa tão grande, mas ao mesmo tempo me sentia parte dela. E queria conhecer mais e mais.
O que eu não sabia é que aquele primeiro contato me levaria a uma pesquisa de mestrado, à minha dissertação, que deu origem ao meu livro “Maria Joaquina de Almeida – A Senhora do Café”. De 1998 a 2016, quando o livro foi publicado, foram muitos anos, que só resultaram no livro devido ao grande apoio que recebi de várias pessoas, mas especialmente de José Roberto de Almeida, meu pai; não tem como não fazer uma menção especial a ele. Inicialmente, ele até sinalizou que gostaria de ver o filho advogado ou engenheiro, mas, ao ver minha dedicação à História, não deixou de me apoiar um só dia, me acompanhou muito durante esse processo. Somada a isso minha determinação, pude me envolver, me apaixonar e produzir ainda mais sobre a região que me despertou para a História.
Confesso que a fazenda que tinha me roubado mais a atenção foi a Boa Vista. Aquela entrada com palmeiras, mais aquela casa com tantas janelas que a princípio eu perdia as contas. Dentro da fazenda, escutei atentamente cada palavra do gerente e do proprietário, Sr. Galileu Pires, e cada fato daquela história foi ocupando a minha mente, como se eu conseguisse enxergar aquele lugar no tempo em que cada coisa tinha ocorrido. De tudo que ele falou, algo soou ainda mais marcante: o fato de sua avó ter feito da fazenda um empreendimento. A avó, a mulher! Talvez tenha sido a primeira vez em que eu escutei falar de uma mulher como protagonista de uma história de vitória e negócios.
Os anos se passaram, eu fui fazer o curso de História. Lá, fugi um pouco do tema que inicialmente chamou minha atenção e, durante três anos, estudei Maria Augusta de Oliveira Borges, a moça que dava nome à lenda urbana “A Loira do Banheiro”. Pouco tempo depois de concluir meu curso de História, fui para o mestrado, e lá minha orientadora, Maria Odila Leite da Silva Dias, apesar de gostar do fato de trabalharmos com Maria Augusta, me aconselhou a pensar em mulheres fazendeiras. Foi quando me lembrei da Boa Vista de Bananal. Com a ajuda de outros pesquisadores, identifiquei documentos que eram interessantes para estudar a mulher que administrou aquela fazenda. E mais uma vez Bananal me traria uma surpresa: não era a avó do Sr. Galileu Pires que faria parte da minha pesquisa, e sim uma outra mulher que também foi protagonista na gestão daquela mesma fazenda. Seu protagonismo venceu os limites da fazenda e se estendeu por todo o município de Bananal, a ponto de Maria Joaquina estar indiretamente ligada à maioria das tomadas de decisão, afinal, era ela que escolhia os administradores das fazendas com as maiores produções de café no local.
Muitos poderiam perguntar se Maria Joaquina era uma mulher além do seu tempo. Digo que não! E insisto muito mais quando me lembro de uma aula do mestrado em que a professora nos disse que ninguém é além do seu tempo. Todos são filhos do seu tempo e do seu cotidiano e, se estiverem atuando de um determinado jeito, é porque aquele tempo exigiu aquela ação. Maria Joaquina era uma de muitas outras mulheres que, apesar de não poderem fazer determinadas coisas ou ter determinadas vontades, por conta das leis e normas sociais, no fim, no dia a dia, precisavam agir conforme a necessidade que se apresentava. Dizer que era feminista não posso, pois nada indica uma ação feminista. Mas digo que as coisas acontecem como têm que acontecer e que Maria Joaquina foi um exemplo de gestão no século XIX. Ao diversificar seus negócios, parando de investir todos os seus recursos em café ou escravos e passando a investir em títulos e apólices, ampliou sua fortuna e possibilitou que ela crescesse cada vez mais. Na contramão dos membros da elite da sua época, não buscou títulos do Império, pois acreditava que a nobreza traria pobreza. De pouca ostentação, pouca festa, deixou um legado admirável para a história de Bananal.
Hoje, Bananal faz parte de minha trajetória, e, todas as vezes em que tenho a oportunidade de estar lá, é como se eu reafirmasse meu compromisso com a História.
Ao mesmo tempo, me preocupo ao perceber que aquele lugar só está em parte preservado pela atuação apaixonada de pessoas como Pedro Teixeira, proprietário da Fazenda Loanda; Beth Brum, proprietária da Fazenda dos Coqueiros; Galileu Pires, proprietário da Fazenda Boa Vista, entre outros que dedicam a vida a essas fazendas, por meio das quais podemos visitar elementos da nossa História e conhecer a origem de nossa identidade e cultura.
Mesmo aqueles que não são tão apaixonados pela História, quando conhecem lugares como Areias, Bananal, São José do Barreiro, Silveiras, se sentem tocados, pois sabem que parte daquilo que somos vem do tempo ainda retratado nos cenários que compõem as cidades do vale histórico, aquelas que já foram tratadas por cidades mortas, mas ainda podem ser o futuro do turismo e da História na nossa região.