O silêncio da história também cria fantasmas e assombrações.

 

Por Ana Flávia Carvalho e

Diego Amaro de Almeida

Risoleta Leitão de Castro Lima, filha dos Barões de Castro Lima, nasceu em Lorena, no dia 10 de fevereiro de 1861, e faleceu no Rio de Janeiro, no dia 06 de agosto de 1895.

Filha de duas famílias da mais alta aristocracia valeparaibana – do lado paterno, os condes e barões da Vila de Lorena; do lado materno, os Gomes Leitão da Vila de Jacareí. Desta última, as marcas dos sofrimentos vividos pelas mulheres vinham acompanhadas da lenda urbana de uma tia emparedada pelo seu avô, o Coronel João da Costa Gomes Leitão. Silenciada em vida e morte, a tia teve um final violento; a sobrinha, não muito distante de sua antepassada, caminhou para um final de silêncio e dor, fruto de uma tuberculose pulmonar que não cessava.

No decorrer das nossas pesquisas, encontramos várias histórias de mulheres que se tornaram fantasmas. E o interessante deste fato é que a maioria daquelas que estudamos até aqui parecem ter se tornado fantasmas quando, de alguma forma, romperam com as amarras do seu tempo. No entanto, quando pesquisamos senhoras como D. Risoleta de Moreira Lima, percebemos outro tipo de fantasma. Aquele nome que sabemos que viveu, mas que possui poucas evidências, parecendo que não existiu, e, assim, não é mais do que uma lenda.

No caso de D. Risoleta, percebemos que ela ficou à “sombra” dos feitos do marido, o Conde de Moreira Lima, o que acabava sendo mais comum em seu tempo, devido às leis que legaram aos homens plenos poderes sobre as mulheres. Ainda assim sabemos que na vida cotidiana as coisas podem ser de outro jeito, e no caso de Risoleta talvez tenha aceitado a submissão por respeitar as normas de conduta moral de sua época ou simplesmente por não ter opção, sendo a ela negado o espaço para atuação.

 

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Joaquim José de Moreira Lima Júnior e Risoleta Leitão de Castro Lima (1879)

Fonte: RODRIGUES, Gama. O Conde de Moreira Lima. Biblioteca Genealógica Brasileira: Lorena, 1942.

 

Seu marido, o Conde Moreira Lima, contava com 38 anos de idade em 1879, quando se casaram, em 24 de outubro de 1879. No mesmo dia, também se casaram o Comendador Arlindo Braga e D. Carlota de Castro Lima, irmã mais nova de D. Risoleta de Castro Lima. É interessante mencionar o Jornal “A constituinte” de 10 de setembro de 1879, o qual anuncia os dois casamentos e divulga que ambos tiveram dispensa matrimonial e de proclamas, o que autorizava o casamento a ser feito em oratória particular e a qualquer hora.

Neste tempo seu marido já era um homem respeitado na região do Vale do Paraíba e principalmente na Vila de Lorena. Risoleta, com 18 anos, era a primeira filha do Barão de Castro Lima; logo, sobrinha do seu esposo. Outra figura importante é seu avô materno, o Coronel João da Costa Gomes Leitão. Uma família repleta de homens, donos de muito prestígio e poder. Fatores que, combinados a uma época, seriam mais que uma mordaça na vida de uma mulher.

 

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Família de D. Risoleta de Castro Limas.

Fonte: RODRIGUES, Gama. O Conde de Moreira Lima. Biblioteca Genealógica Brasileira: Lorena, 1942.

Conde de Moreira Lima: de tio a esposo, um casamento entre iguais.

A história para além de certos fatos, marcados por data, sempre será um espaço das narrativas. Sendo assim, muitos segredos nunca serão revelados, e mesmo que saibamos através dos lampejos de certas histórias que o “povo conta”, a verdade para além de um fato continuará sendo obscura. E ainda serão lendas sem provas e evidências que possam comprovar a realidade de uma narrativa.

O senhor Joaquim José de Moreira Lima Júnior, Conde de Moreira Lima, é um homem que divide opiniões. E, se seguirmos pelos livros e textos que falam desta figura, sempre o teremos em mais alta estima e consideração. Porém, a oralidade, por vezes, mostra um homem que não temia a exploração do seu semelhante e que também não seria o melhor dos esposos, tendo, inclusive, dividido sua imponente mansão em áreas, separando-o de sua esposa.

De maneira alguma, desejamos ferir a moral deste importante cidadão, pois, sem sombra de dúvidas, os seus feitos são memoráveis. Temos grandes evidências: a vinda dos Salesianos para Lorena, a construção do Santuário de São Benedito, suas generosas doações à Santa Casa de Misericórdia, a atenção com os pobres e menos favorecidos, que é evidenciada pela construção do Asilo São José… Enfim, são muitas ações advindas da fortuna que já vinha sendo construída por seu pai, Joaquim José de Moreira Lima, e seu irmão e sogro, o Barão de Castro Lima, mas que contou com seu trabalho para se tornar uma das grandes fortunas da Província de São Paulo.

Sabemos que, enquanto seres humanos, somos atores sociais. Com isso, podemos dizer que representamos distintos papéis ao longo dos nossos dias e da nossa vida nessa complexa teia das relações sociais. Neste sentido, quem é o Conde de Moreira Lima: o Joaquim? o Júnior? o Moreira Lima?

Para compreendermos as “diferentes” pessoas que uma figura pode ter sido, é importante analisarmos questões do seu cotidiano. E para notarmos Risoleta, precisamos compreender melhor sua família, em especial, seu tio e esposo, o Conde de Moreira Lima. Elementos do cotidiano, demonstrações de poder e prestígio, nos permitem enxergar um pouco do que seria a vida do casal e, nas entrelinhas, buscarmos aquilo que traz compreensão sobre quem foram em seu tempo.

 

Requinte, luxo e sofisticação marcam os salões dos Moreira Lima na Vila de Lorena

Em notas do diário da Princesa Isabel de Orleans e Bragança, conseguimos nos transportar para o tempo em que Risoleta e Joaquim viviam em seu solar que até hoje é símbolo dos áureos tempos do café no município de Lorena.

Em 05 de novembro de 1884, estiveram presentes na Vila de Lorena a Princesa Imperial D. Isabel, seu esposo, o Conde D´eu, e os príncipes imperiais.

 

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Princesa Isabel, Conde D’Eu e filhos (1885)

Fonte: <https://nospassosdoimperador.wordpress.com/tag/conde-de-moreira-lima/>. Acesso em: 21/12/2023.

A passagem da Princesa Isabel e sua família por Lorena é o que nos permite inquerir um pouco mais a vida do casal Moreira Lima, pois a presença da Princesa e sua permanência na companhia deste casal, por si só, já indicam o grande prestígio que tinham com a Coroa Brasileira, o que para ser conquistado exigia muito mais do que poder econômico, já que famílias nesta situação deveriam ser dotadas de uma moral acima da média, sendo reconhecidos por serem pessoas ilibadas, respeitadoras da moral cristã.

Neste sentido é possível imaginar as dificuldades de se manter uma atitude que deveria, muitas vezes, beirar o silêncio para que em momento nenhum o “teatro social” fosse rompido. O historiador Carlos Eugênio Marcondes de Moura (1998) apresenta notas do diário da Princesa Isabel em sua obra. Notas que são de grande ajuda para entendermos a vida deste casal e percebermos que “aparência” sempre foi um bom negócio. Nas palavras da Princesa Isabel: “Muito bonita a casa do Visconde de Moreira Lima, excelente hospedagem, jantar que durou das 7 às 9 horas, concerto depois organizado pela Viscondessa de Castro Lima e dirigido pelo Maestro Rodenas do Chile. Algumas senhoras não se saíram mal no piano. A situação da casa é lindíssima, e dela se goza de uma vista extensa e magnífica”. Tal esplendor, narrado pela D. Isabel, pode ser melhor compreendido nos detalhes trazidos em notas do seu diário.     

“Residiam os Viscondes de Moreira Lima em uma casa de sobrado, situada no Largo da Matriz, esquina do antigo Beco do Porto, construção de taipa de pilão iniciada em 1832, substancialmente reformada em 1876, sendo um dos mais belos exemplares da arquitetura da velha aristocracia rural do Vale do Paraíba” (MOURA, 1998, p. 248).

Solar

Solar Conde de Moreira Lima

Fonte: Acervo do CESAPER – Centro Salesiano de Pesquisas Regionais

É importante ressaltar que o sobrado dos Condes de Moreira Lima ainda faz parte do cenário lorenense, mas, por negligência de várias gestões públicas da nossa atualidade, o magnífico exemplar sofre com infiltrações, desgaste e umidade, encontrando-se em estado crítico. A atual gestão tem tentado amenizar, porém a intervenção necessária ainda não pode ser colocada em prática por atrasos em questões burocráticas e de captação de recurso. Em cada ano, perdemos algo que compunha os cenários que são descritos nas notas do diário da Princesa Isabel:

“O vestíbulo era todo de mármore de Carrara com duas belas colunas artísticas e arquitrave, adornado com estátuas de floreiras de mármore branco. O salão de visitas, de cujo teto pendia rico lustre de bronze dourado e cristal, impressionava não só pela riqueza, como pelo gosto; tapete “Aubusson” reposteiros de seda amarela e espelhos de cristal, em moldura dourada, e mobília de jacarandá preto com aplicações de bronze” (MOURA, 1998, p. 248).

Os mármores no pátio das residências dos viscondes, os móveis e elementos de decoração não só mostram poder dos Condes de Moreira Lima, mas também deixa clara a personalidade requintada, delicada, harmoniosa e protocolar que deveria ser a forma com que os Condes gostariam de ser percebidos pela sociedade. Não era só o dinheiro, mas aquilo que no século XIX ainda chamavam de civilidade.

“Dois pianos ‘Pleyel’. Sala de jantar de oito por dezessete metros, mobiliada com imponentes móveis de caravalho, estilo renascença, mesa circundada por 48 cadeiras de alto espaldar torneado, guarnecido de magnífico conjunto de prataria, porcelanas e cristais com as inicias M. L. Os dois quartos de banho que serviam o apartamento principal eram providos de banheiras de mármore branco, escavadas em um só bloco, iguais às do palácio de São Cristóvão, quais hoje se encontram no Museu Histórico. Duas ótimas carruagens, uma vitória e uma berlinda estofada de seda azul e envidraçada, puxada por belos animais, contribuíam para o conforto da hospedagem. […] Divisava-se da sala de jantar e do terraço contíguo, paisagem magnífica – a Serra da Mantiqueira, no fundo, e o rio Paraíba, serpenteado na campina verde” (MOURA, 1998, p. 248).

No século XIX, no Vale do Paraíba, que ficava no interior norte de São Paulo, o acesso às “coisas” ainda era difícil. Claro que o trem ajudou muito, mas o problema era o fornecedor de móveis, e utensílios; e mesmo os pianos, sabemos que vêm da França. Não era uma negociação fácil, pois muitas vezes se dava por correspondência, por intermediários. Depois, os objetos viriam da Europa para o Brasil em navios e, ao chegarem ao porto, seriam despachados de trem até a Vila de Lorena. Entendemos ser importante apresentar esse percurso, pois ajuda a enfatizar o quão poderosos são os Condes de Moreira Lima.

Outro fator que agrega poder e prestígio aos Condes é a presença massiva da nobreza valeparaibana no evento em que estavam presentes a Princesa Imperial Isabel e sua família. Afinal, não se tratava apenas em contar com a presença da Princesa, mas ter a fidelidade e amizade da aristocracia regional.

“É tradição que entre os convidados participantes do jantar e do concerto musical oferecidos pelos Viscondes de Moreira Lima, em honra dos imperiais hóspedes, figuram os titulares: Viscondes da Palmeira (Antônio Salgado da Silva e senhora); Baronesa de Paraibuna (Dona Benedita Bicudo Salgado Lessa, viúva); Barão de Romeiro (Manoel Inácio Marcondes Romeiro); Viscondessa de Guaratinguetá (Dona Amélia Augusta Cazal de Oliveira, viúva); Dr. Manoel Marcondes de Moura e Costa, chefe liberal, segundo vice-presidente da Província, genro dos Viscondes da Palmeira; Viscondessa de Pindamonhangaba (Dona Antônia Monteiro do Amaral, viúva)” (MOURA, 1998, p. 248).

Nesse jogo das relações sociais, o status era algo importante e que, muitas vezes, era mantido a todo custo, e quanto maior os detalhes e a “dificuldade” para o acesso, mais poder aquele nobre demonstrava. Um dos elementos de detalhes que chamam a atenção nesse sentido é o programa da série de músicas organizado por D. Risoleta, o qual estava impresso, e o acesso à tipografia para tal realização também é uma demonstração de poder, pois é um detalhe de última ordem e que ali estava disponível para os convidados do jantar.

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Soirée musical, em honra de SS.AA Imperiaes, promovida pelo Visconde de Moreira Lima.

Fonte: Acervo do CESAPER – Centro Salesiano de Pesquisa Regionais.

Tanto luxo e ostentação, acompanhados de requinte, sofisticação e protocolo que só existiria nos principais salões da nobreza, facilita pensarmos o quão complexa era a vida da Viscondessa de Castro Lima, que de toda forma deveria fazer um esforço maior que de seu marido para manter o status conquistado pelos Moreira Lima ao longo do século XIX. Ações que beiravam a máxima abnegação de sua parte, pois o mínimo de ruptura que houvesse poderia trazer marcas permanentes a todos os esforços da família para garantir a ideia de nobreza e “civilidade” que gostavam de transmitir à sociedade do seu tempo.

Condes de Moreira Lima: faraós da Vila de Lorena

Existem eventos no passado que não terão como não serem observadas no presente. Aqui não temos como atribuir valor às intenções do Conde de Moreira Lima, porém alguns fatos são importantes de mencionar antes de introduzir o título deste capítulo.

O Conde Moreira Lima e sua família foram grandes benfeitores de Lorena-SP; sem dúvidas, as decisões deste Conde reverberam até os nossos dias, inclusive podemos dizer que ditou os caminhos que Lorena segue até hoje. Ao possibilitar a vinda dos Salesianos para a vila, abriu campo para que a educação fosse a nova locomotiva da cidade, e sua decisão permitiu que mais tarde, mesmo sem sua influência direta, Lorena fosse campo para as universidades.

Fato interessante é que os Condes de Moreira Lima, aparentemente, não ambicionavam deixar o Brasil, ou mesmo Lorena-SP. Em vários documentos é possível notar essa lealdade ao município, como podemos notar no testamento do Conde:

Residi sempre nesta Cidade que estimo como minha segunda mãe e aqui morrerei. Com essa firme intenção, tenho pronto meu jazigo desde a construção da Igreja de São Benedito, que é embaixo do altar-mor, onde em tempo foram colocados os restos mortais de minha mulher e sobrinha, Risoleta Moreira Lima, Condessa de Moreira Lima.

 

Durante o século XIX, as normas sanitárias também interferiram em muitos costumes. Um deles foi o de realizar sepultamento na Igreja. Um choque cultural para aqueles que pertenciam à aristocracia rural e entendiam que quanto mais próximo do altar, mais próximo de “Deus”. Na realidade podemos entender como uma garantia de prestígio no post mortem, tanto que com as necrópoles (cemitérios) essa realidade de manutenção de poder mesmo depois da morte ainda vai se figurar na posição, local e arquitetura do túmulo em um cemitério e também em relação à irmandade a quem pertencia o falecido.

No entanto, o Sr. Conde de Moreira Lima, homem poderoso e prestigiado, conseguiu autorização, devido aos importantes serviços prestados à Igreja, de ser sepultado junto com sua esposa no altar-mor da Igreja de São Benedito. Neste sentido, o Conde não poupou despesas e construiu o que sem dúvidas podemos chamar de mais rico santuário em devoção a São Benedito dos Pobres e Pretos.

Sem a intenção de atribuir juízo de valor ao Conde, toda vez que observamos o Santuário e por conhecer as condições que estão envolvidas na história, percebemos um homem que talvez temesse o esquecimento e teve um sonho audacioso, fazendo o que na visão de alguns é uma pirâmide, talvez o maior túmulo do município de Lorena-SP.

Uma Igreja que inicialmente não estava de fato nas mãos dos pobres e pretos da cidade, tendo uma irmandade formada por uma elite e que trazia consigo um tesoureiro Conde. A questão preto e pobre passa a ser tão irrelevante que não pensam duas vezes para pintarem um Santo Antônio de preto, que até nossos dias se encontra no altar-mor do Santuário. Essa foi uma ação que é justificada para que a inauguração ocorresse conforme o planejado.

 

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Santuário de São Benedito

Fonte: Acervo do CESAPER – Centro Salesiano de Pesquisa Regionais

 

A Igreja de São Benedito foi construída em taipa e pilão, com uma fachada em estilo gótico, pelo engenheiro francês Charles Peyrronton. Nas palavras da Princesa Isabel:

“[…] bem bonita, sobretudo interiormente, a não ser um Santo que teriam feito melhor vestir, sendo de mármore e um baldaquim escarlate com uma armação de pau, que teriam feito melhor suprimir. As tôrres não me agradam muito, e não acho, à Igreja, um cunho não muito religioso” (DAUNT, 1957, p. 27).

A partir do trecho do Diário da Princesa Isabel sobre o Santuário de São Benedito de Lorena, percebemos uma dualidade nas avaliações da Princesa em relação à igreja. Por um lado, ela expressa uma apreciação pela beleza do santuário, destacando sua elegância, especialmente no interior. Contudo, essa admiração é contrastada por críticas específicas. A princesa observa que a representação de um santo na igreja não está à altura de suas expectativas, sugerindo que a vestimenta do santo poderia ser mais cuidadosamente escolhida, ou que o santo não fazia contraste com a estrutura da igreja.

Além disso, há uma clara discordância em relação a certos elementos, como o baldaquim escarlate com uma armação de pau, que ela acredita que teriam sido melhores se suprimidos. A desaprovação se estende às torres do santuário, que não agradam aos olhos da princesa. E ela vai além, questionando o caráter religioso da igreja como um todo. Talvez a princesa tenha percebido que a São Benedito não estava associado àqueles que de fato possuem adoração pelo Santo, que seriam os pobres e pretos. Essas observações revelam não apenas a sensibilidade estética da princesa, mas também suas expectativas em relação à representação simbólica na arte sacra e à arquitetura religiosa.

Ao observarmos a igreja, com seus elementos criticados pela Princesa, entendemos um homem que talvez temesse o esquecimento. Sua ousadia em construir um santuário tão imponente pode ser interpretada como um esforço para criar um legado duradouro. Entretanto, as críticas estéticas e a dualidade na percepção do caráter religioso indicam um distanciamento entre a visão do Conde e a interpretação da Princesa, que percebeu a Igreja inicialmente afastada dos pobres e pretos da cidade.

Em síntese, os Condes de Moreira Lima, como “faraós” da Vila de Lorena, não apenas influenciaram significativamente a trajetória da cidade, mas também deixaram um legado ambíguo que transcende a simples narrativa histórica. A construção do Santuário de São Benedito, apesar de sua grandiosidade, é permeada por interpretações distintas, revelando nuances sociais, culturais e estéticas que enriquecem a compreensão da história local.

 

Morte prematura da Condessa de Moreira Lima

A sombra da tragédia paira sobre a vida do Conde de Moreira Lima, marcando o trágico desfecho da vida de sua esposa, a Condessa Risoleta.

As entrelinhas da oralidade nos revelam um relacionamento entre o Conde e sua esposa. Descrevem um marido imerso em suas ocupações, cujo foco no trabalho o afasta, tornando-o distante e, por vezes, colérico. Dizem que Risoleta, em um gesto desesperado, buscava escapar dessa vida dormindo com roupas molhadas, na esperança de contrair uma doença que a libertasse desse mundo. A verdade dessas alegações permanece incerta, e como diz o ditado: “quem conta um conto, aumenta um ponto”.

A tuberculose pulmonar, cruel e implacável, foi a carrasca que ceifou a vida de Risoleta aos 34 anos. Sua morte, em 06 de agosto de 1895, foi um golpe devastador para o Conde, que segundo seu biógrafo e contemporâneo, Dr. Gama Rodrigues, mergulhou o Conde em pesar e luto profundos.

A história de um casal que se concretizava, rasgando o que teria sido o capítulo afetivo mais belo de sua vida. O Conde, ao transportar os despojos da amada para Lorena, sentia o peso do isolamento, pela primeira vez, verdadeiramente só na vida.

A ausência de filhos e testamento adiciona um aspecto peculiar a essa tragédia. Risoleta, sem deixar descendentes ou instruções específicas, teve seu corpo trasladado do Rio de Janeiro para Lorena, onde encontrou seu repouso final no altar-mor do Santuário de São Benedito. A falta de demonstrações efusivas de afeto no testamento do Conde, que simplesmente menciona os “restos mortais de minha mulher e sobrinha”, destaca a natureza peculiar e, possivelmente, distante do relacionamento entre eles.

  Também é revelado um contraste intrigante nas relações afetivas do Conde. Enquanto seu irmão e sogro são lembrados com emoção e saudades constantes, a Condessa parece habitar um lugar mais silencioso na memória do nobre. Essa dicotomia sutil e complexa sugere camadas de sentimentos não totalmente revelados, criando espaço para uma exploração mais profunda.

Risoleta de Moreira Lima, assim, emerge das sombras e silêncios, convidando-nos a explorar os interstícios de uma vida que se desdobrou entre a tradição, as expectativas sociais e as complexidades dos relacionamentos humanos. Seu legado, ainda que permeado por mistérios, oferece um convite à reflexão sobre a condição humana e as histórias que residem nas entrelinhas da história oficial.

Reconhecemos a complexidade emocional que envolve a história da Condessa de Moreira Lima, convidamos os leitores a refletirem sobre essa narrativa e aguardamos ansiosos por feedbacks que possam enriquecer ainda mais essa investigação, lançando luz sobre nuances não percebidas inicialmente.

Referências

DAUNT, Ricardo Gumbleton. Diário da Princesa Isabel – Excursão dos Condes D´Eu à Província de São Paulo em 1884. São Paulo: Editora Anhembi, 1957.

MOURA, Carlos Eugênio Marcondes de. (org.) Vida cotidiana em São Paulo no século XIX. São Paulo: Secretaria de Estado da Cultura, 1998.

PASIN, José Luiz. Os Barões do Café – Titulares do Império no Vale do Paraíba. Aparecida: Vale Livros, 2001.

RODRIGUES, Gama. O Conde de Moreira Lima. Lorena: Biblioteca Genealógica Brasileira, 1942.

SOBRINHO, Alves Motta. A Civilização do Café (1820 – 1920). 2. ed. São Paulo: Editora Brasiliense, 1968.

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