Sou eleitor desde os meus 16 anos de idade e até o momento não consegui eleger um presidente. Hoje tenho 32 anos e, nesse meu pouco tempo de eleitor, amarguei cinco derrotas consecutivas. E o que mexeu comigo nestas eleições, além do fato de eu acabar apoiando um partido com o qual sempre tive ressalvas e ao qual muitas vezes fiz críticas, foi a ideia de que desta vez eu não lutava só por um ideal político, e sim por um modelo de governo.

Durante toda a minha vida, não me vi outra coisa senão historiador. Tenho a ambição de viver muito, e a história me proporciona isso, a ponto de, ao me deparar com o passado, ter a sensação de que estou vencendo o tempo. Sendo assim, tive a oportunidade de conhecer vários momentos da nossa história. Em 2008, contagiado pelo espírito da Comissão da Verdade e dos 40 anos da prisão dos jovens universitários no congresso de Ibiúna-SP, passei a estudar os processos que já estavam liberados para a consulta no Arquivo Público do estado de São Paulo.

Naquele tempo eu ainda estava conectado às coisas factuais da história, não percebia o caminho que minha mente e meu destino iriam trilhar. Fui com minhas próprias pernas,  em uma missão solitária, entender o que tinha acontecido em 1968, nos anos anteriores e nos posteriores. Sem influência de ninguém, fui em busca de perguntas e respostas.

Assim que comecei a pesquisar os arquivos, me deparei com panfletos e fichas que mostravam uma repressão mais próxima de mim do que eu podia imaginar. Nesses materiais, estavam os nomes de pessoas com quem convivi e que até então nem imaginava que haviam sido presas pelo regime militar. Pessoas que já representavam muito para minha formação, entre elas Nelson Pesciotta e José Luiz Pasin, ambos membros importantes do IEV – Instituto de Estudos Valeparaibanos, do qual hoje tenho a honra de ser vice-presidente. Eu sabia, contudo, que eles haviam participado de inúmeros movimentos que mexeram com a história regional, como a própria criação do IEV, em 1973

Sinônimo de uma importante demonstração de resistência, o instituto combatia as agressões ao meio ambiente, o descaso com a cultura afro-brasileira e popular e a destruição do patrimônio arquitetônico e histórico. Várias eram as bandeiras de luta e de enfrentamento. Mesmo em anos de chumbo, não baixaram a guarda e sofreram as consequências para que pudéssemos ser livres.

Voltando para a minha pesquisa nos arquivos, comecei a ficar intrigado com tudo que eu encontrava e, a cada nova viagem, retornava com mais questionamentos, até que comecei a perguntar para aquelas várias pessoas o que tinha acontecido e como haviam sobrevivido a tudo isso. Só o que não posso aceitar é que digam que não aconteceu nada durante esse regime e que as pessoas que sofreram com ele são, na realidade, mentirosas. Não podemos negar essa mancha em nossa história.

O que posso dizer é que comecei a entender nesse tempo que a história não podia se restringir aos livros e que tudo que um dia aconteceu poderia novamente ocorrer. Não que a história se repita, mas nós temos uma tendência a esquecer as coisas que aconteceram. De tudo que ouvi sobre aquele tempo, muita coisa me chocou e me choca até hoje, desde as barbáries cometidas até as pressões psicológicas. Neste ponto, não poderia deixar de citar o mestre e amigo Nelson Pesciotta, que em depoimento, certa vez, me disse que não foi o fato de ser preso para averiguação que mais mexeu com ele, e sim a forma como a população do município que ele respeitava e tinha escolhido como seu lar o tratava. Quando ele voltou da prisão — e por isso ele era grato ao comando do 5º BIL de Lorena, que o ajudou, pois sabiam quem era o professor e conheciam sua idoneidade —, aqueles que viviam em Lorena lhe deram as costas, passaram a mudar de calçada quando o viam, fingiam que ele não existia. Nas palavras do professor, “era como se tivesse cometido um crime”. Ele também relatou que muitas pessoas foram perseguidas por serem desafetos, pois o regime temia tanto uma assombração inexistente que não media forças para combater aquilo que eles nem mesmo sabiam se era real. Tinham uma única missão: “combater o inimigo”. Mas então eu pergunto: quem é o inimigo? Será que faziam essa pergunta a si mesmos? Acredito que não. Prendiam e torturavam.

Eu até concordo que cada um pode defender o regime de governo que bem entender, mas dizer que não aconteceram atrocidades no passado, isso eu não posso permitir. Podem dizer que os últimos governos não foram bons, mas que governo será bom enquanto os eleitores/cidadãos não assumirem de fato seu papel e uma postura que colabore para a construção de uma nação digna de ser lembrada no futuro? Não será negando a história que vamos fazer algo bom; pelo contrário, se negamos a história, permitimos que erros do passado voltem a assombrar nosso cotidiano.

Por esses motivos, nunca me senti tão cansado para discutir ou apresentar qualquer assunto. As últimas semanas têm sido de uma intolerância sem limites. As pessoas não querem dialogar, nem mesmo criticar de forma construtiva. Querem destruir! O clima de ódio toma conta do coração dos brasileiros. Quem “perdeu” não está contente, quem “ganhou” não está seguro, as possibilidades de mudança não animam ninguém.

Nós ainda não entendemos qual é o nosso papel na sociedade, nos deixamos levar por qualquer coisa, e todos querem estar certos da sua posição. Eu, contudo, não desejo estar, porque, se eu estiver, iremos retroceder como nunca.

Tenho esperanças ainda e quero acreditar que vamos conseguir mudar, mas não quero que isso aconteça de forma violenta, ou simplesmente por sentimento de vingança.

Amo minha profissão, sou professor e quero me manter assim. Mas não é justo que sejamos perseguidos por pessoas que preferem esconder as coisas a tentar entendê-las. Prefiro, em um dado momento, perder o direito de exercer minha profissão a deixar de cumprir meu juramento, porque vou defender, vou debater e vou manter tudo que eu puder no que tange à liberdade de pensamento, mesmo no que diz respeito àqueles com que eu não concordo, pois acredito que todos devem ter esse direito garantido.

Além disso, temos o direito de admirar quem quisermos e de não ser ofendidos por acreditar ou não em alguma coisa. Não quero ser perseguido, não quero ser ofendido. Somos sociedade? Somos! Mas sou indivíduo, portanto, não transfira para mim o ódio que você sente de algumas “ideias”. Eu amo todas as ideias e quero conviver com todas elas. Não podemos permitir que ninguém seja perseguido ou ofendido pelo que pensa. No caso das nossas redes sociais, aceite o que é posto, confira se é verdade, não propague o ódio e entenda que é tempo de todos se manifestarem.

No momento, ainda não consigo ver Jair Bolsonaro como meu presidente, afinal, não posso comungar da ideia de alguém que vê em um regime totalitário a saída para os problemas deste País. Porém, vou fazer tudo que for possível para que ele cumpra seu mandato como foi eleito, pela via da democracia. E se eu sentir qualquer direito abalado, vou lutar, como muitos daqueles que eu admiro lutaram (não se calando diante das injustiças), e assumir todas as consequências dos meus atos.

Gostaria que o presidente eleito não se esquecesse de que ele foi eleito pela democracia e de que a ditadura que ele enaltece deve, sim, ser lembrada, mas para não cometermos os crimes do passado.

Continuarei sendo o cidadão que eu defendo que todos deveriam ser. Mesmo sabendo que não tenho ainda como atingir a perfeição, sei que até aqui tenho cumprido essa missão, sem ofender ou menosprezar as ideias de ninguém.

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