Todos nós deveríamos ser dignos de ter sorte, pois quantas pessoas se dedicam ao máximo e nunca chegam a lugar nenhum? Será que elas não merecem? Será que o esforço foi pouco? Ou será que, em um regime econômico que visa ao acúmulo de riquezas e à exploração, nem todos poderão ter acesso à sorte?

Eu acredito nisto: nem todos poderão ter acesso à sorte. E o pior é não admitirmos que, em muitos casos de pessoas que venceram na vida, não foi bem o esforço que permitiu a vitória, e sim uma boa quantidade de sorte.

Não quero que entendam que eu não valorizo o esforço. Pelo contrário; como eu admiro as pessoas que lutam contra todos os empecilhos para vencer! São meus verdadeiros heróis. Mas quantos deles realmente têm seu esforço valorizado? E quantas vezes confundimos sorte com esforço?

Por que precisa ser difícil para ser valorizado? 

Existem coisas que me incomodam enquanto educador, e uma delas é a ideia de que tudo que foi difícil tem mais valor, mesmo porque esse é um pensamento que pode gerar alguns problemas, ao meu ver.

Vamos lá?

A dificuldade de levantar cedo, estudar e trabalhar é comum a quase todos nós. Não acredito que em nenhum dia da sua vida você não tenha se sentido cansado de uma dessas coisas. Sabemos, contudo, que isso é uma regra em nossa vida, independentemente da carreira que escolhemos ou da atividade que executamos.

Porém, há momentos em que o fato de uma pessoa ter conseguido algo na vida fica vinculado exclusivamente à ideia do esforço, e esse ponto me preocupa. Por quê? Sabemos que na sociedade até existem oportunidades, mas, além de contar com nossas virtudes, temos que contar com a sorte, e esse é o grande problema. Uma pessoa mais afortunada já está em um ambiente de sorte, e, nesse caso, o que ela mais precisa é estudar e trabalhar, pois se torna mais simples manter ou até mesmo ampliar aquilo que possui.

O problema é que, quando alguém que nunca teve sorte consegue, com muito esforço, algo na vida, logo todos atribuem ao esforço o fato de ter conseguido, e isso não reflete a realidade do capitalismo. Dentro dos mecanismos econômicos vigentes, nada garante a uma pessoa que todo o seu esforço vai render-lhe alguma vantagem.

Não estou dizendo que o fato de não se esforçar possa garantir algo. Porém, devemos considerar o peso da sorte e sermos sinceros quanto a isso, para nos sentirmos tocados quando alguém se destaca mesmo em meio a tanta dificuldade, mas também nos lembrarmos de que não é justo que somente alguns, entre milhões que se esforçam, possam conseguir algo.

Entendo que justo seria se todos tivessem condições e acesso às oportunidades e pudessem de fato lutar por um futuro melhor, contando não a sorte, mas com a competência naquilo que cada ser humano pode fazer, e considerando, inclusive, condições de acessibilidade como fator para conseguirem melhores empregos e oportunidades.

Não acredito que, em um mundo de desigualdades, uma pessoa que precisa contar com a sorte, além de com seu esforço, seja de fato alguém que conseguiu algo. Nessas condições, de nada adiantaria acordar cedo, estudar e trabalhar se a sorte não estivesse ao seu lado. Nosso mudo é selvagem nesse aspecto, pois todos precisamos sair e “caçar”; alguns conseguirão, outros não, mas somos humanos, e alguém acaba por morrer de fome porque não teve sorte.

Vejo falarem em mérito e adoraria acreditar que ele existe em nossa sociedade, mas, quando olho para o Brasil, sinto pena de todos nós. A cada dia fica mais claro que não existe reconhecimento para o esforço; existem, em alguns casos, histórias de pessoas que se esforçaram e tiveram a sorte ao seu lado. Não se deixe, contudo, enganar: tem muita gente boa que tentou e não conseguiu, e seu esforço acabou selvagemente sendo jogado fora.

Vamos, sim, reconhecer o bom trabalho, o esforço. Mas não podemos esquecer que não é só isso que vai garantir algo e que, enquanto seres humanos, precisamos nos ajudar e auxiliar na busca por uma sociedade digna para todos.

Por isso quero a humanização da sorte. Quero que todos possam viver em uma sociedade que respeite as dificuldades e as diferenças e que perceba que todos nós podemos contribuir com nossas diferentes competências e habilidades. Não há limites para a vontade humana, desde que haja espaço para todos.

Até lá, vamos parar de iludir as pessoas. Vamos falar a verdade: “Olha, para você vencer, vai precisar lutar, mas, mesmo assim, não há garantia de vitória. Se você não fizer nada, no entanto, tudo será ainda mais difícil”.

Acredito que esse é um primeiro passo para entrarmos no jogo do capitalismo sabendo como podemos jogá-lo.

Essa é a opinião de um professor preocupado com o futuro, no mais, me sinto sortudo, pois entendo que nasci em um ambiente de possibilidades e lutei para conquistar um espaço. Minha luta me ajudou, mas, se não fosse a sorte, não sei o que seria da minha vida.

 

Esforço – sorte = desigualdade

Esforço + sorte = possibilidade

Sorte – esforço = desigualdade

 

E, dentro de tudo isso, ainda precisamos contar com a sorte do acesso…

 

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