O filho do Visconde de Guaratinguetá e as Palmeiras Imperiais da Rua Viscondessa de Castro Lima.

Diego Amaro de Almeida1

“O passado é uma terra estrangeira. Lá eles fazem as coisas de outro jeito.”

L.P. Hartley

Introdução

Desde o pedido do Presidente da Academia de Letras de Lorena, o acadêmico Coronel Rocha, para que eu escrevesse um artigo sobre nossa cidade, tenho pensado sobre qual tema eleger, pois gostaria que representasse uma contribuição para a valorização do estudo da história e da memória do nosso município.

No entanto, antes de aqui contar curiosidades sobre o tema, gostaria de realizar uma breve introdução que acredito ser necessária.

Sou natural de Guaratinguetá, porém tenho por Lorena um grande encantamento. Afinal, foi este município que me acolheu e me acolhe com tanto carinho e que me possibilitou trilhar as veredas do “sertão incompreensível” da busca do meu Norte: a História.

Foi nesta cidade em que me graduei professor de História, profissão pela qual sou apaixonado. É também aqui onde realizo meus trabalhos, com o apoio de vários membros e instituições da cidade, e que para mim são motivos de grande satisfação, pois, de alguma forma, sei que posso colaborar com a cultura local.

Fazendo o que amo no UNISAL, IEV (Instituto de Estudos Valeparaibanos), VALEDOPARAIBA.COM e COMPHAC (Conselho Municipal do Patrimônio Histórico, Artístico e Cultural de Lorena), sendo recebido sempre com carinho pelas pessoas daqui, o que mais eu poderia desejar? Ora, como um bom vinho, a busca do conhecimento nos convida a apreciá-lo em grande proporção. O desafio é não ficar tão inebriado, a ponto de não distinguir a qualidade do que se absorve. É preciso, tal como um estrangeiro que chega a uma terra distante em busca de alojamento e boa comida, observar a cena local e eleger as instituições sérias e que têm realmente compromisso com a promoção da cultura. Este é o caso da nossa Academia, da qual me tornei membro e obtive a grande honraria de receber a aprovação dos ilustres acadêmicos, sendo-me designado ocupar sua cadeira de número sete.

Assim, aceito por meus pares, é com muita satisfação que escrevo meu primeiro texto para a coletânea da Academia de Letras de Lorena. Minha expectativa é que o mesmo seja, no mínimo, interessante para a comunidade. Também abandonei um pouco o formalismo ao escrever buscando uma maior intimidade com o leitor, pois esta é uma espécie de carta de apresentação do que acredito quando o assunto é a expansão das culturas.

                                                                                                                                 

1 Mestre em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Licenciado em História pelo Centro Universitário Salesiano de São Paulo. Atualmente é professor dos cursos de Direito, Ciências Contábeis, História, Pedagogia e Psicologia do Centro UNISAL de Lorena. Pesquisador do portal valedoparaíba.com. Assistente do CESAPER “Centro Salesiano de Pesquisas Regionais – Prof. José Luiz Pasin”. Membro efetivo do IEV (Instituto de Estudos Valeparaibanos) e membro efetivo da Academia de Letras de Lorena.

                                                                                                                                 

Guiado pela minha paixão pelos fatos curiosos do cotidiano, pensei em escrever algo que aproximasse a história da memória, não por casos políticos e econômicos, já tão bem relatados e estudados por outros companheiros da Academia, mas algo de inusitado e diferente que torne próximo do presente o passado de Lorena.

Apesar de estar ligado ao período cafeeiro, o tema que vou abordar não conta a história das grandes fazendas de café ou da high society valeparaibana, embora tenha como pano de fundo este momento tão importante do nosso desenvolvimento e conhecimento e personagens da aristocracia rural. O que vou contar aqui tem início em um romance e se encerra em um símbolo de nosso município.

No entanto, como todo resgate ou reconstrução do passado, faz-se importante neste momento chamar a atenção para um trecho que escolhi para este texto: “O passado é uma terra estrangeira. Lá eles fazem as coisas de outro jeito”, do escritor inglês Hartley. Chamo a atenção com o intuito de lembrar que, apesar de nos ser permitida a realização de algumas considerações críticas, não podemos julgar o que aconteceu no passado; afinal, era outro tempo, carregado de motivos diferenciados e desconhecidos.

É claro que o passado trouxe para o presente nossas formas de agir e nos relacionar. Mas não podemos nos esquecer de que a História não é uma linha em constante progresso, e sim um caminho que sofre diversas transformações, o que nos impede de afirmar se um momento foi certo ou errado, bom ou ruim. Na melhor das hipóteses, a partir do seu estudo, cabe-nos procurar conhecer e entender por que chegamos a um determinado estágio. É o que os convido a fazer abaixo.

Uma breve história da família Oliveira Borges de Guaratinguetá

Alguns dias se passaram desde que comecei minha pesquisa a respeito de assuntos que considero interessantes de serem tratados em meu artigo. Em certo momento, um deles me chamou particularmente a atenção e decidi, então, que este seria o tema da minha primeira participação na coletânea da Academia de Letras de Lorena. Neste aspecto, pensando em minhas primeiras pesquisas realizadas, é que me veio esta ideia.

No início da minha graduação, comecei a estudar a figura de Maria Augusta de Oliveira Borges, popularmente conhecida por associarem seu nome à lenda urbana da “Loira do Banheiro”. Em minhas pesquisas, pude perceber que tal lenda urbana vinha crescendo junto às Escolas Normais. O fato é que o casarão onde Maria Augusta havia morado, e onde teve seu corpo velado por meses, tornou-se uma dessas escolas, o que deu força à lenda e facilitou a associação do nome desta curiosa figura, que até hoje amedronta alguns alunos da região.

Entretanto, apesar de ser muito peculiar, não é sobre este assunto que vou tratar aqui, mas sim de outro membro desta ilustre família, que tinha seus ramos espalhados por municípios, como os de Guaratinguetá e Lorena.

A história da família é repleta de detalhes interessantes. O próprio pai de Maria Augusta, o Visconde de Guaratinguetá, tinha ligações com a “gens lorenensis”. O seu primeiro casamento foi com uma lorenense, a viúva de João Lopes Salgado Guimarães, um rico proprietário e comerciante do município de Lorena que foi assassinado a foiçadas em 1825 e deixou uma boa herança para sua esposa, D. Ana Silvéria, um valor que somava 1:757$768.

O interessante é que o enlace entre Ana Silvéria Umbelina do Espírito Santo e Francisco de Assis Oliveira Borges ocorreu quando o Visconde ainda não era uma figura de renome da aristocracia valeparaibana, mas, sim, em um momento em que ele era um homem de poucas posses e exercia a profissão de pintor.

Foi após ser contratado para pintar a capela da fazenda de D. Ana Silvéria, no município de Lorena, que os dois se conheceram. O casamento aconteceu no ano de 1826, em Guaratinguetá. É a partir deste momento que Francisco de Assis Oliveira Borges, o outrora “Chico Pintor”, começou a dar seus primeiros passos a caminho da Corte. História que leva Francisco de Assis a Barão de Guaratinguetá, em 1854.

O Major Oliveira Borges e as Palmeiras da Rua Viscondessa de Castro Lima

Porém ainda não é dessas figuras que eu gostaria de tratar aqui, e sim de um dos filhos de enlace matrimonial do Visconde, personagem que terá interessante participação na vida política da cidade de Lorena. Trata-se do Major Francisco de Assis Oliveira Borges.

Nascido em 8 de dezembro de 1837 e batizado na matriz de Guaratinguetá aos 24 de dezembro do mesmo ano, ele teve como padrinhos o Capitão João de Moura Fialho e Rosa Maria do Carmo – conforme está lançado no Livro 15, fls. 155, da Matriz de Guaratinguetá.

Além de ter o mesmo nome de seu pai, o Major Francisco de Assis Oliveira Borges, ocupou vários cargos públicos – o que era uma tradição entre as famílias de prestígio e poder na região. Foi Secretário Geral da Guarda Nacional de Guaratinguetá e Anexos, com o posto de Capitão, desde 30 de janeiro de 1865. Também foi ajudante-de-ordens, com o posto maior de Major, aos 28 de dezembro de 1872. Foi também Cavaleiro da Ordem da Rosa.

Na cidade de Lorena, foi proprietário da Fazenda das Palmeiras, antiga Fazenda Bento Lopes, herdada de seu pai (falecido em 1879).

WhatsApp Image 2020-07-31 at 20.25.39Em Lorena, foi delegado de polícia, juiz da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, presidente do Clube Polimático e um dos proprietários do periódico A Gazeta de Lorena. Presidente da Câmara Municipal de Lorena, no triênio de 1881 a 1883, ele promoveu o calçamento regular dos passeios das ruas da cidade e fez plantar as palmeiras imperiais da Rua Viscondessa de Castro Lima, que durante anos caracterizavam a paisagem local. Ainda hoje vemos estas palmeiras como cartões postais da cidade. Mas vamos nos deter mais um pouco sobre a história deste importante símbolo da cidade: as palmeiras imperiais.

Em 1865, a Câmara Municipal ordenou a abertura de uma rua que ligasse o Largo da Matriz ao cemitério, obra que teve seu término em 1878. Essa rua, continuação da Rua Viscondessa de Castro Lima, passou a se chamar Rua da Direita, e a ponte a ser chamada de Ponte do Faustino, em referência ao ferreiro que morava ao lado de uma de suas cabeceiras. Atualmente Rua Conselheiro Rodrigues Alves (D´ELBOUX, 2008).

Segundo a autora D´ELBOUX, “o neoclassicismo nas ruas de Lorena expressa-se por meio das suas palmeiras”, e, no caso, da Rua Viscondessa de Castro Lima. A autora afirma: “a continuidade visual conseguida pelo alinhamento das duas ruas […] ganhará destaque na paisagem urbana lorenense com o crescimento das palmeiras-imperiais, resultando em impressionante composição paisagística, só comparável ao seu arquétipo carioca”.

Das realizações e da participação política do Major Francisco de Assis Oliveira Borges, fica registrado esse feito de sua atuação na Câmara de Lorena, mas cabem ainda outras informações que podemos voltar a apresentar em uma próxima oportunidade.

Por fim, quanto à própria história familiar do Major Francisco de Assis Oliveira Borges, é bom que se registre que ele se casou em Areias com Francisca Marta da Silva Leme, ali nascida em 26 de agosto de 1842, e falecida aos 11 de novembro de 1910 em Lorena.WhatsApp Image 2020-07-31 at 20.26.15

Do seu casamento, ele teve sete filhos. E fora dele, ele teve mais sete.

O Major faleceu em Lorena aos 14 de março de 1897.

Esta é uma das muitas histórias que fazem parte da memória de nossa querida Lorena. Lembrar e trazer à luz esses fatos é reconhecer os feitos daqueles que marcaram nossa cultura e história.

Referências

CESAR, Faustino. Resenha Histórica de Lorena. 2. ed. Lorena, SP: Stiliano, 2000.

D´ELBOUX, Roseli Maria Martins. Manifestações neoclássicas no Vale do Paraíba: Lorena e as Palmeiras Imperiais. São Paulo: Annablume: Fapesp, 2008.

MOURA, Carlos Eugenio Marcondes de. O Visconde de Guaratinguetá – Um titular do café no Vale do Paraíba. 2. ed. São Paulo: Studio Nobel, 2002.

PASIN, José Luiz. Os Barões do Café – Titulares do Império no Vale do Paraíba Paulista. Aparecida-SP: Vale Livros, 2001.

Arquivos

Acervo do Instituto de Estudos Valeparaibanos

Sites e Blog

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